segunda-feira, 26 de agosto de 2013

O Público e o “De Graça”


ônibus
Ônibus urbano. Tarifa zero é tecnicamente possível, mas na prática ainda é inviável. Um dos erros dos discursos nas manifestações é confundir serviço público com atividade não tarifa. Foto Liberada: Agência Brasil.
O público e o de graça
Protestos alegam que transporte coletivo não deveria ser tarifado por ser público. Mas os dois fatos não possuem relação direta
Na série de manifestações populares, que são legítimas, em prol do barateamento das tarifas de ônibus, trem e metrô, foi possível ver com certa constância, militantes com faixas ou mesmo dizendo em alta voz que o transporte no Brasil não é público porque a população tem de pagar para usá-lo.
Por mais que a sociedade deva reconhecer a atitude destes manifestantes, que auxiliaram a intensificação do debate em torno da mobilidade urbana, a afirmação traz um equívoco.
O fato de um serviço ser público, prestado por empresas particulares ou mesmo pelo estado, município e Governo Federal, não o isenta necessariamente de cobrança de tarifas.
É o que ocorre com a telefonia pública, com a energia elétrica e o saneamento.
Não haveria sentido pedir que as ligações fossem de graça nos orelhões ou que não existisse mais cobrança de água e luz.
È possível ter sistemas que não cobrem passagens de transportes? Teoricamente e tecnicamente sim. Mas até o que não é tarifado, não sai de graça.
A pergunta é: diante de tantas carências na sociedade, como as relacionadas à saúde, educação e saneamento, haveria recursos para bancar um sistema de transporte gratuito?
Mesmo as empresas públicas de transportes, como a marcante CMTC – Companhia Municipal de Transportes Coletivos, cobravam tarifas. O mesmo ocorre com os serviços de trens e de metrô.
Mas por que a saúde e a educação não são tarifadas e o transporte é?
Não é porque estas áreas são ou deixam de ser mais ou menos importantes. O transporte coletivo tem igual importância no conjunto de atendimento às necessidades do cidadão.
A questão passa por lei.
Saúde e educação são Direitos Sociais e o transporte público é “apenas” um serviço essencial, que claro, dá acesso a estes e outros direitos sociais.
Está em tramitação no Congresso o PEC 90 – Projeto de Emenda à Constituição, que já foi aprovada na CCJ – Comissão de Constituição e Justiça.
De autoria da deputada Luiza Erundina, de São Paulo, o projeto propõe a inclusão dos serviços de transportes no Artigo 6º da Constituição e eleva os transportes públicos ao Plano de Direito Social e não “somente” de serviço essencial.
O fato de, eventualmente, o transporte público ser elevado a Direito Social elimina a cobrança da tarifa automaticamente?
Não. Mas é um passo importante para que o poder público possa usar mais ferramentas para financiar os transportes coletivos e deixar as tarifas mais acessíveis, inclusive para as cerca de 40 milhões de pessoas que no Brasil não possuem sequer condições financeiras para pagar passagens urbanas.
Vale ressaltar que baixar a tarifa sem encontrar outras fontes para cobrir custos, é diminuir a margem de retorno das empresas e do próprio sistema como um todo.
Pode-se até discutir a margem de lucros das companhias de ônibus, mas as decisões devem ser tomadas após estudos e em comum acordo entre as empresas, poder público e sociedade e não repentinamente por pressão política.
Antes porém, de aprovações de matérias no Congresso, de negociações, a sociedade deve exigir nas ruas políticas públicas que privilegiem o transporte coletivo para que ele se torne eficiente, produtivo.
Corredores de ônibus, por exemplo, permitem que os mesmos veículos façam mais viagens e com menos custos. Nos congestionamentos são horas de trabalho dos profissionais dos transportes e combustível, peças, lubrificantes e insumos gastos a mais.
Além disso, há possibilidade de mais reduções na carga tributária sobre os serviços de transportes coletivos.
Com o ganho de produtividade e redução na carga tributária sobre os transportes, caberá ao poder público fiscalizar e obrigar que a diminuição dos custos e aumento das margens de lucro sejam repassados aos passageiros.
Tarifa é apenas um dos aspectos da mobilidade e está relacionada a outros pontos fundamentais, ainda pouco cobrados nas ruas.
Dizer que só porque o transporte é público ele não deve ser tarifado, é falta de conhecimento ou, na pior das hipóteses, simplificar o problema para ganhar holofotes e a simpatia da população.

Fonte: por: Adamo Bazani, jornalista da Rádio CBN, especializado em transportes

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Sugestão, Reclamações, Elogios, Comentários e Perguntas